Eu poderia dizer que não me lembro de como tudo começou, entretanto, sei exatamente quando começou esta busca maravilhosa. Parte deste relato eu escrevi em 2014, e não poderia deixar de aproveitar o texto, já que muitos detalhes já se foram da minha memória, embora tenha restado uma essência significativa de lembranças de momentos que foram consideravelmente transformadores para o curso da minha vida.
Apenas para contextualizar, sempre tive o sonho de fazer um intercâmbio, e desde muito cedo o destino que eu tinha em mente era o Canadá. Quando tive a oportunidade (grana) para realizar esse sonho, eu já estava bem empregada, e não disponibilizava de um tempo maior que algumas semana para fazê-lo.
Até aquele momento, eu vinha de um histórico de anos e anos só de estudo e privação de muitos momentos de lazer, inclusive viagens. Até aquele ano, eu contava nos dedos de uma mão as viagens que eu havia feito na vida. Mas não me arrependo dessa fase de clausura, foi exatamente ela que me levou a um patamar remuneratório que possibilitou a realização de sonhos como esses a partir de então.
Fui fazer o intercâmbio de seis semanas, e foi a experiência da minha vida, um divisor de águas. O fato de estar sozinha por tanto tempo e encarando situações nunca antes vividas tipo: comunicar-me em uma língua que eu não dominava, conviver e conhecer pessoas de diversos lugares e culturas do mundo, visitar lugares paradisíacos, ser quem eu sou sem o medo de ser julgada, etc.
Pode parecer algo muito simplório para algumas pessoas, mas a realidade de cada um vai gerar sentimentos muito diferentes diante de coisas similares. Milhões de pessoas podem viver exatamente a mesma situação, mas a experiência para cada um será completamente diferente. E, para mim, essa viagem foi muito transformadora.
Ano passado (2013) passei um tempinho estudando no Canadá. Conheci lugares incríveis, lindos e instigantes. Mas houve uma experiência, particularmente, muito realizadora para mim (precisei sair do Brasil para acordar para isso; tantos lugares maravilhosos também temos aqui).
Poucos dias antes de eu voltar para o Brasil, um amigo que conheci lá, colombiano (Daniel), me convidou para fazer um “passeio”, com mais alguns amigos, para que eu pudesse fazer umas fotos legais (também sou apaixonada por fotografia). Ele me explicou mais ou menos como seria, e parte de nosso diálogo foi assim:
[blockquote align=”none” author=””]-Então, vamos em um lugar “muy hermoso” para você fazer umas fotos bonitas – ele disse.
-Tá, mas você disse que é uma trilha difícil, que os “meninos” gostam de aventura, e eu não dou conta de fazer essas coisas.
-Não – corrigiu ele – eles vão subir até o topo da montanha, nós podemos fazer o percurso mais tranquilo, só até o lago, eu não estou a fim de subir até o final também.
-Veja bem, eu adoro caminhar, mas só estou acostumada a lugares planos, se for muito complicado não vai rolar – argumentei.
-Não! É tranquilo. Vai ser legal. Leve sua máquina fotográfica.
-Ok![/blockquote]
No domingo de manhã, alugamos um carro e fomos (eu, o colombiano, um argentino e um mexicano) para encarar essa trilha para o Garibaldi Lake, que ficava entre as cidades de Whistler e Squamish, a 2 horas de Vancouver.
O mexicano era profissional, nível avançado em hiking e já conhecia a trilha; o argentino e meu amigo colombiano estavam em um nível intermediário, e eu, iniciante, básico zero..rs. Quando iniciamos a caminhada, comecei perceber algo “estranho”:
[blockquote align=”none” author=” “]-Ué!!! Mas a gente só sobe, quando é que a subida acaba? Indaguei
-Acaba daqui umas 2 horas – respondeu o mexicano.
-Olhei para o meu amigo e já sem fôlego nos primeiros 300 metros – eu não vou conseguir.[/blockquote]
Os outros dois viram que comigo não ia rolar um percurso muito produtivo, então seguiram em frente em ritmo acelerado e ficamos para trás. Eles iam fazer o percurso todo e nós dois só parte dele mesmo. No primeiro quilômetro eu quis desistir. Falei para o Daniel seguir sem mim. Ele disse que não, que ele ia comigo, e que eu conseguiria chegar até o fim. O negócio estava tão complicado, que o coitadinho pegou minha pequena mochila, minha máquina fotográfica (que não é muito levinha), e levou tudo, me deixando sem nada para carregar. Tudo na tentativa de eu conseguia dar uns passinhos mais rápidos.
Pois é, foram longos 7 km, cerca de 85% deles em ascensão (naturalmente, é um lago nas montanhas – não atentei para esses detalhes), faltava força, faltava ar, faltava perna, Jesus! Meu paciente amigo, foi me dando dicas de alongamento, respiração, concentração, espiritualidade, meditação: uma verdadeira aula. Eu só via um caminho sem fim na minha frente e muitas pessoas passando por nós. Certo momento, ele me pediu para olhar, disfarçadamente, para trás; quando me virei, vinha uma senhora, com cerca de 60 anos, subindo, devagar e tranquilamente. Eu pensando: “Caramba, eu preciso ir até o fim desse negócio também!!!” Além disso, muitas e muitas pessoas com mochilão nas costas, e eu sem nadinha, e o Daniel carregando as minhas coisas e as dele. Acho que tudo isso me inspirou em cada passinho além.
[blockquote align=”none” author=” “]-É, aqui também podem aparecer ursos – brincou Daniel
-Ursos?!?!?!?!?
-Sim, filha. Você está no meio de montanhas canadenses.[/blockquote]
Eu era louca para ver um deles, mas não de tão perto assim, cheguei a ver nas Rocky Mountains, mas bem de longe. O fofinho pode ser perigoso, né? Ah, era bem improvável, por ser uma trilha com muita movimentação de pessoas, mas algo possível. Por volta de 6km, finalmente, consegui avistar um pedacinho do Lago. Aquilo foi fantástico: a cor azulada (ou esverdeada) da água, o visual em meio às árvores (feixes de luz do brilho do lago e do sol atravessando os galhos), algo indescritível, talvez com a emoção aumentada pela dificuldade que eu vinha enfrentando. Coincidentemente era o pedaço do percurso onde a subida terminava. Daí em diante foi mais tranquilo, já nem sentia mais as pernas, muito menos as dores. Estava embalada pela vontade de chegar logo ao nosso destino.
Foram 3 horas e meia de caminhada. Eu não conseguiria descrever em palavras a sensação, a emoção de chegar a um lugar daquele depois de tamanho esforço (para mim pelo menos). Lindo, divino, compensador! Esqueci as dores, esqueci o cansaço, não sentia mais nada, apenas uma alegria e vontade de aproveitar cada instante daquela paisagem. Aquele visual fica disponível apenas parte do ano, no inverno o Lago Garibaldi chega a ficar congelado.
Mas não foi apenas o lago em si que me fez me apaixonar pelas trilhas, foi o conjunto: a dificuldade, os obstáculos, as dores, a vontade de desistir, e no fim, a recompensa pelo esforço. Foi o aprendizado. Foi um encontro.
A volta foi mais tranquila, mas não tão fácil, afinal, descer castiga os joelhos. No total foram 14km que me ajudaram a pensar na vida e me encorajar a enfrentar novos desafios tanto aventurísticos, quanto pessoais, foi o fechamento de uma viagem que envolveu muita transformação.
Em resumo, foi isso. Tentei não escrever tanto, mas foram muitos momentos interessantes durante a subida (e descida), eu escreveria 10 páginas só de detalhes. Mas acho que consegui passar a essência daquele dia.
Hoje complementaria descrevendo que aquele momento quando vi o lago pela primeira vez, por entre os galhos das árvores, onde transpassavam raios de sol, aquela luz, aquela visão que parece ter atravessado minha alma e me modificado para sempre, ela volta e meia se repete na minha cabeça. Foi a travessia da velha para uma nova Adriana.
Quando voltei ao Brasil, passei a ter sede de viver, sede de natureza, sede do mundo, sede daquela luz, daquela sensação que nunca mais saiu da minha mente. É como se aquele momento se passasse de novo em câmera lenta, quando me recordo. A sensação de paraíso! Estive no Paraíso e não voltei mais a mesma pessoa.
E eu tenho consciência de que a sensação de paraíso foi devido à dura trilha para mim naquele dia, a superação, o processo, a dificuldade, a passagem, a travessia. Antes dessa trilha, eu havia conhecido diversos locais maravilhosos no Canadá, inclusive as maravilhosas Rocky Mountains, mas foi diferente, foi de ônibus. O trilhar é outra coisa, é outra vivência, é outra experiência; é intimidade com o lugar, é sentimento, entrega, comunhão.
Desde então passei a viajar, viajar, trilhar, conhecer, buscar. Em pouco tempo se instalou essa ideia de busca por paraísos na minha cabeça, virou uma hashtag, depois uma página no Facebook e no Instagram. Passei a viver em busca de paraísos, especialmente por meio de trilhas, e a paixão por montanhas, então, nem se fala. E ensinamentos desta época de pandemia me fizeram parar e concretizar coisas que só estavam no campo das ideias, o site era um delas.
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